sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Momento Twitter Insone

São duas e quarenta e uma da manhã. Uma madrugada de sexta. Não tem nada de bom na TV. Saudades do Clube da Criança Junkie. Maldita insônia! Já passei da idade de lamentar essas coisas.
"Sei de uma bárbara região cujos bibliotecários repudiam o vão e supersticioso costume de procurar sentido nos livros e o equiparam ao de procurá-lo nos sonhos ou nas linhas caóticas da mão. Admitem que os inventores da escrita imitaram os vinte e cinco símbolos naturais, mas afirmam que essa aplicação é causal e que os livros em si nada significam." (Jorge Luís Borges, A Biblioteca de Babel)

sábado, 5 de setembro de 2009

Ego

Caravaggio. Narciso. 1597
[Na varanda do segundo andar do teatro, separada dos corredores internos por uma porta de vidro, a espera do início do espetáculo]

Pelo reflexo da porta espelhada, a enxergava sem ser percebido. Lia ou escrevia algo sentada no banco de madeira. Um rapaz interessado aproximou-se e começaram a conversar. Em pouco, estavam a admirar juntos o mesmo texto.

Pensamentos ruins me vieram, trazendo com eles uma certa amargura. Qual é o meu problema? Por que estou sempre tão sozinho? Gostaria que isso não importasse. Afinal, o que há de tão errado na solidão? O que há de errado comigo?

[Acende um cigarro. Em seguida sente um incômodo no pescoço]

Estou ficando velho. Estou me sentindo velho. Não! Estou me sentindo mal. Espiritualmente, no sentido vulgar do termo. Por que me importo tanto comigo? Ninguém liga, deveria me convencer. Por que ajo como se alguém se importasse? Por que alguém deveria se importar comigo? Preciso achar a minha pergunta filosófica, aquela que eu devo sempre pensar quando me encontrar numa crise existencial. Se vale a pena viver? Certamente não é essa. Talvez dê muito valor à vida.

[Encaminha-se ao banheiro, passando em frente ao casal que antes observava. Entra numa das cabines e se posta em frente ao vaso sanitário, que possui uma parede de mármore]

Esses pontos brilhantes(...) Podiam ser estrelas numa noite sem nuvens. Já vejo o plano! Seria uma belíssima cena. Mas qual o sentido? Metáfora? Sonho? Se fosse cineasta, seria daqueles criticados por dar mais valor à forma que ao conteúdo. Mas por quê deve haver um sentido? Por que uma imagem não pode ser só uma imagem? Não posso fazer pontos brilhantes de uma pedra de mármore virarem estrelas só para expor a beleza do movimento? O que faz a genialidade dos gênios? Será que alguém vai me convencer que é algo mais que a porra do acaso?

Lembro da idéia que tive uma semana dessas. Simplesmente genial, embora não original (George Orwell já a teve na minha frente). Uma estória contada em um movimento de câmera (vou dar o nome técnico de câmera subjetiva) só existe nos espaços interiores residenciais. O resto é captado por câmeras de segurança, de controle do trânsito, de empresas de transportes públicos, de elevadores! Se tem um sentido? Claro que tem! O sentido, primeiro, é a sensação cotidiana de estarmos sendo observados! É óbvio que o protagonista deve demonstrar um desconforto constante. Nada do que fizer no espaço fora do lar deixará de ser observado. O outro sentido? Psicológico, claro. Só se é um sujeito, um indivíduo dotado de sentimentos, valores, vida, dentro do seu espaço doméstico. Para o resto que capta sempre em meio a outros, o homem continua sendo mais um, só percebido se fizer algo que ultrapasse os liames da lei. Principalmente a lei defensora da propriedade – afinal, a maioria das câmeras que nos observam são de empresas privadas. Talvez um final no qual o indivíduo descobre estar sendo observado em sua própria residência. Algo como “A vida dos outros”. Genial!
Não, é idiota! Não tenho a estória, só a forma. É isso o que sou, só um estilo. Vazio.

[Passaram-se meia hora, alguém bate insistentemente na porta da cabine]

Tem sempre um filho da puta para importunar nossos pensamentos.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Automato

Salvador Dalí. Soft watch at moment of first explosion. 1954.

O despertador tocou às cinco e meia. As pernas foram para o chão na intermitência de alguns segundos. O ar povoou os pulmões num inspirar profundo. Os olhos semicerrados marejavam. A passos lentos, o corpo levantou-se, os braços pendulando mortos. Dirigiu-se ao banheiro. À meia escuridão, os pés fincaram parando a estrutura corcunda em frente a pia. A torneira aberta jorrava grande volume e as mãos em concha pousaram sob a torrente. Um movimento espinhal fechou o àngulo perpendicular encontrando as palmas. Após a fricção completa da face, os indicadores escalaram para os cristalinos, limpando assim as secreções que a noite depositara. Uma imagem delineava-se no espelho.


A luz projetando as cores da matéria me convencia: era a porra de mais um dia que começava.