segunda-feira, 14 de julho de 2014

A máquina supressora de hábitos

Sonhei certo dia que havia encontrado uma máquina supressora de hábitos. Saturado da vida que levava, topei o risco. Da transformação produzida fiquei apenas com sons e signos desprovidos de significado. Perdi toda a profundidade com que me relacionava com o mundo, que passou a se constituir de imagens enigmáticas. Com o que me sobrou, só me restou fazer uma reza, porque o que escolhi não entender tinha que ser religioso. Mas um sentimento me afirmava que precisava de um propósito e um destinatário. Qual? Quem?  Nenhuma ideia de Deus me socorria e os propósitos havia abandonado com os hábitos. 
Me olhei no espelho e vi uma forma estranha e bizarra. Não era reflexo e sim disflexo. Que mostrum era aquele que me encarava, fora de qualquer ordem concebível? Era largo em seu meio, de suas extremidades saiam prolongamentos que o sustentavam e um recipiente quadrangular o encimava, recoberto por tecidos finos de uma textura negra. Nesse recipiente ainda havia sete buracos, cinco frontais e dois laterais. Três deles expressavam algo como a resposta de um mecanismo interno que parecia ser meu. Um dos frontais movia-se de acordo com a minha vontade, e ouvi um som: PESADELO.
Seria o nome do deus que procurava? Repeti o som algumas vezes, como num mantra em busca de alguma revelação. Arrisquei que a revelação era a precisão de algum reconhecimento. Por que precisava reconhecer? O que precisava reconhecer? Que sentido havia nessa necessidade? Uma expressão me veio a mente, sem qualquer referência espaço-temporal para localizá-la: O VERBO ERA DEUS. Sabia do “verbo” que criava e do “deus” que era vontade. O que aquilo queria dizer? A afirmação anulava meu esforço primeiro. Como fazer uma reza dirigida para o que dizia? Afinal, se faz alguma reza que não seja para algo de divino? O que era a necessidade de deus diante da ausência de significados? Se o verbo era deus e o som saia daquele buraco por mim comandado, o que era eu? Algo maior que deus? Eu era a entidade criadora maior? Talvez daí viesse a desnecessidade de sentido. O que antecede a criação não é o vazio, o nada? Eu era o nada? A ideia da reza perdeu sua substância, e nada mais podia fazer.

O monstro diante de mim desapareceu, e o disflexo transformou-se num alienígena que nada me causava, uma transparência. Abandonei-lhe em sua prisão de vidro e fui pra rua ver se encontrava algo diferente do absoluto aterrador a que meus pensamentos me conduzia. A iniciativa foi um espanto para ver se acordava. Como havia decidido não saber o que era a rua, apenas me ocorreu que era fora, o mundo desamparado porém distante daquelas prisões interpenetradas, o alienígena no vidro, as paredes. Saí em expansão com meu vazio que precisava ser preenchido.