domingo, 14 de dezembro de 2014

Rascunhos lispectorianos

Eu te gosto tanto, te tenho um respeito tão profundo que jamais direi uma palavra sobre ti. 
Estarás em toda a criação, e só meu íntimo saberá. 
Nas tuas palavras, encontro as minhas e as profundezas. 
No labirinto de teus caminhos delirantes, descubro um mundo que crio e possuo.
Na minha miséria, descobri a grandeza de apenas ser. 
Eu te tenho por me ter, e basta. 
Bastar-se parece tão grande que dá medo de apenas bastar-se. 

Não me mostre sua doçura, sua gentileza. Quererei saciar-me contigo e aprisioná-la até que meu desejo se consuma por inteiro.

Somos o que percebemos? Percebemos o que somos? 

Precisava dar-me a insignificância necessária para poder ser, apenas. 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Praça Tiradentes

Gordura, cigarro,
cerveja, perfume barato.

Um chão que gruda
entre paredes sujas.

Limões no mictório,
bregas na vitrola.

Homens de pernas cruzadas
acompanhados de seu cansaço.

Mulheres da vida são flores
 à espera do beija-flor.

Meu amor não vem,
e desenho com os olhos
essa humanidade tão decente.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Rascunhos de uma mesa de bar (09/12/2014)

Na tristeza desta ausência,
existe a sutil alegria de um mundo
para além da minha vontade.

E nas outras vontades com que me esbarro,
nas outras vontades em que me me encontro,
nas outras vontades que se desviam, 
nas outras vontades que me elevam ao desvario,
sou apenas eu, sem saber.

Ainda bem.

E por pior que seja, sempre existe o dia seguinte,
e uma tal de esperança. 

domingo, 23 de novembro de 2014

23/11/2014

Desprender do que te apega, completar com o que te falta.
Haverá sempre um apego, alguma precisão.
Assim com esta angústia de incompletude,
esta vontade de libertação,
que deveríamos chamar de vida. 

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Desencoantro

Com sua distância,
se foi a fantasia,

Voltei a errância,
do sem-ti parecia.

Nem a lembrança,
de remédio, servia.

Sem evitar os perantes
que no mundo havia,

encontrei circunstâncias
e mais um todavia

pelo qual nova andança
rumei estrada perdida.

A chamei Desesperança
pois achei real magia

quando em mim assanha
quem no tempo habita.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Alguns motivos para beber

[Segunda à noite, 01/09, após um dia de trabalho, sento num bar na esquina do beco dos barbeiros com a rua do Carmo. Peço uma Brahma e abro o caderno. Ainda não são 19 horas.]

Bebo a desgraça
Bebo a dificuldade com a solidão
Bebo as frustrações
Bebo o inconformismo com a crueldade das pessoas
Bebo a miséria da minha auto-confiança
Bebo as desilusões das ilusões criadas na noite anterior
Bebo a impaciência com a monotonia cotidiana.
Bebo a incapacidade de sentir
Bebo pra ter fantasias
Bebo para desfazer-me das fantasias
Bebo a culpa cristã dos meus erros
Bebo pra saber quem sou
Bebo pra esquecer quem sou
Bebo a ausência de sentido
Bebo para alguma coisa ter sentido
Bebo minhas covardias
Bebo pra ter coragem amanhã
Bebo o fim do dia
Bebo pra inaugurar novo dia
Bebo uma vida não vivida
Bebo pra fingir viver
Bebo pra não viver
Bebo minha perdição
Bebo pra não me perder

domingo, 10 de agosto de 2014

Malandro de dama

Quando o malandro fugiu da polícia,
correu pro samba. 
Pra não levar cana e tapa na cara
e enganar os meganha,
disjuntou o quadril, fez-se de dama
e no meio dos bamba, deu uma quebrada. 

Aliviado o malandro fugiu do esculacho,
mas não do riso da rapaziada, 
que fizeram troça
do malandro de dama no samba. 

Identidadi

Meus artigo definido defini o plural que nóis é e vem comnóis nas qualidade que só é nóis junto. no meio eu sou nóis juntado na labuta do trampo da batida da laje na intera da gelada di domingo na ideia da letra que só nóis fala e intendi. diferenti desses povo que corrigi nóis na escrita das concordância mais que num sabe que na real nóis é que discorda. Se você me intendê é tudo nosso. 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A máquina supressora de hábitos

Sonhei certo dia que havia encontrado uma máquina supressora de hábitos. Saturado da vida que levava, topei o risco. Da transformação produzida fiquei apenas com sons e signos desprovidos de significado. Perdi toda a profundidade com que me relacionava com o mundo, que passou a se constituir de imagens enigmáticas. Com o que me sobrou, só me restou fazer uma reza, porque o que escolhi não entender tinha que ser religioso. Mas um sentimento me afirmava que precisava de um propósito e um destinatário. Qual? Quem?  Nenhuma ideia de Deus me socorria e os propósitos havia abandonado com os hábitos. 
Me olhei no espelho e vi uma forma estranha e bizarra. Não era reflexo e sim disflexo. Que mostrum era aquele que me encarava, fora de qualquer ordem concebível? Era largo em seu meio, de suas extremidades saiam prolongamentos que o sustentavam e um recipiente quadrangular o encimava, recoberto por tecidos finos de uma textura negra. Nesse recipiente ainda havia sete buracos, cinco frontais e dois laterais. Três deles expressavam algo como a resposta de um mecanismo interno que parecia ser meu. Um dos frontais movia-se de acordo com a minha vontade, e ouvi um som: PESADELO.
Seria o nome do deus que procurava? Repeti o som algumas vezes, como num mantra em busca de alguma revelação. Arrisquei que a revelação era a precisão de algum reconhecimento. Por que precisava reconhecer? O que precisava reconhecer? Que sentido havia nessa necessidade? Uma expressão me veio a mente, sem qualquer referência espaço-temporal para localizá-la: O VERBO ERA DEUS. Sabia do “verbo” que criava e do “deus” que era vontade. O que aquilo queria dizer? A afirmação anulava meu esforço primeiro. Como fazer uma reza dirigida para o que dizia? Afinal, se faz alguma reza que não seja para algo de divino? O que era a necessidade de deus diante da ausência de significados? Se o verbo era deus e o som saia daquele buraco por mim comandado, o que era eu? Algo maior que deus? Eu era a entidade criadora maior? Talvez daí viesse a desnecessidade de sentido. O que antecede a criação não é o vazio, o nada? Eu era o nada? A ideia da reza perdeu sua substância, e nada mais podia fazer.

O monstro diante de mim desapareceu, e o disflexo transformou-se num alienígena que nada me causava, uma transparência. Abandonei-lhe em sua prisão de vidro e fui pra rua ver se encontrava algo diferente do absoluto aterrador a que meus pensamentos me conduzia. A iniciativa foi um espanto para ver se acordava. Como havia decidido não saber o que era a rua, apenas me ocorreu que era fora, o mundo desamparado porém distante daquelas prisões interpenetradas, o alienígena no vidro, as paredes. Saí em expansão com meu vazio que precisava ser preenchido. 

domingo, 25 de maio de 2014

Segunda

Tens um daqueles dias de cão. Nada deu certo. Mesmo desanimado, arribando tarde no destino do fim dos dias, resolves ir dançar. Por alguma daquelas mágicas soluções do incompreensível, o espírito transtornado inspira o corpo e a dança é leve e prazerosa. Na saída exerces o papel de exemplar cavalheiro ao acompanhar algumas damas ao ponto. Desvias do caminho que a sela da rotina impõe. E assim, num bar chinfrim dessa rota antes desprezada, descobres músicos numa bossa magnífica. Abres a cerveja num brinde a maravilha dos desvios das rotas, dos dias e da vida. 

domingo, 27 de abril de 2014

Adeus, S.R.

Fostes um todo de toque, cheiro,
suspiros, gosto e gozo.
Um não-lugar sem consciência,
só desejo
em que encontrei meu corpo que faltava,
perdi meu ser e fui pleno.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Algumas palavras sobre a autoridade do professor e o espaço pedagógico



O ponto de partida da pedagogia já não poderá ser o desejo de civilizar, mas o de desenvolver pessoas livres, caracteres soberanos. É por isso que a vontade, até ao presente tão violentamente oprimida, não deverá continuar a ser enfraquecida. Tal como não se quer debilitar a vontade de saber, também não se deverá enfraquecer o querer. Quem quiser um, tem de querer o outro. A insubordinação e a teimosia da criança têm tanto direito como o seu desejo de saber. (Max Stirner, O falso princípio de nossa educação in Idem, Textos dispersos, Lisboa, Via Editora, 1979, p.65-93.) 

“Autoridade do professor”, “postura de professor, “controle de turma”, “manter a ordem”.  Estes são os termos que caracterizam o “bom professor”. Ele sempre está no “controle”. Não admite o riso, a brincadeira, o jogo. Em sua imagem de austeridade, existe uma economia dos afetos que lhe preserva a “autoridade”. A rigidez é necessária para manter a “disciplina” e a “ordem”. O “bom professor” não pode se “igualar” ao aluno, dar-lhe “confiança”.  A partir do título sagrado de “professor”,  exigimos obediência, a que nomeamos eufemisticamente de “respeito”.
O aluno é sempre objeto de desconfiança. De vez em quando, damos um “voto de confiança” quase na expectativa do erro e sua consequente condenação. Não aceitamos o erro, o desvio, a frustração. Nos encastelamos na “autoridade” de nossa formação. Somos os portadores do conhecimento, os agentes civilizadores. Da altura de nossos valores morais, culturais e estéticos, julgamos todo o comportamento estranho aos nossos gostos como inferior. O “funk”, o “passinho” e o “quadradinho de oito” não passam de apologias ao crime e ao sexo. A menina gorda de shortinho é ridícula, o menino negro que pinta o cabelo quer parecer um marginal.  
A “autoridade” do professor é a negação da diferença em nome da reprodução da “norma”. Na condenação dos desvios, na preservação da “ordem”, somos civilizadores, não pedagógicos. Perdão, talvez sejamos pedagógicos, mas de uma pedagogia da norma, da adaptação.  Dizemos aos nossos alunos para abandonarem suas referências em nome de um futuro que já conhecemos de antemão, pois a realidade social é “impossível” de se transformar.  Selecionamos os alunos destaques nos conselhos de classe como o mercado de trabalho seleciona sua mão-de-obra, ou seja, de acordo com a melhor adaptação ao modelo de comportamento exigido: disciplinado, obediente, esforçado. 
A “autoridade” do professor -  vista como natural, sagrada e imprescindível - nega a escola como espaço pedagógico de transformação.  Quando julgamos nossos alunos em sua diferença, nos fechamos. Exigimos deles a abertura para o que queremos apresentar, mas não nos abrimos para o que eles têm a nos apresentar. Ao condicionarmos a confiança em nossos alunos ao acerto, negamos o momento fundamental da produção da autonomia, da transformação, da constituição ética do sujeito. Ninguém se questiona porque acertou. Nos pomos em questão quando erramos.  O erro pode ser o caminho aberto para novas possibilidades, desde que não se associe o erro à culpa e a correção à punição. O que percebemos como “aluno-problema” pode ser uma oportunidade maravilhosa, porque é o aluno desviante que põe a escola em questão, que nos faz repensar o exercício de nossa profissão e a própria instituição escolar.
Pensar a escola como um espaço pedagógico de transformação implica considerarmos todos seus integrantes como sujeitos pedagógicos. Professores, funcionários e alunos. Sim, alunos! Com eles, também aprendemos. Mas aprender significa abrir-se a experiência, ao risco. Significa assumir que não sabemos, porque o não-saber é a condição necessária para qualquer processo ensino/aprendizagem. Significa abrir mão da “autoridade”. Ao estimularmos seus desejos, suas vontades,  ao estarmos abertos a suas escolhas e visões de mundo - ou seja, ao confiarmos em nossos alunos – adquirirmos sua confiança, seu afeto e seu respeito.
Abrir mão da “autoridade” não significa abrir mão do respeito, mas concebê-lo como algo a ser construído numa relação de confiança mútua. Significa acreditar em seu aluno, valorizar o seu querer, construir junto com ele sua autonomia, percebê-lo não na desigualdade de alguém que sabe mais e outro que sabe menos, mas na valorização equânime das diversas potencialidades. Este é o nosso papel se quisermos atuar na formação de seres humanos autônomos, críticos e, principalmente, felizes.

sábado, 12 de abril de 2014

O tempo da experiência

É verão e a luz do sol ilumina. A alta claridade produzida por seus raios impõe-se aos olhos que, coagidos, semicerram-se. É a pele, entretanto, que mais sente. Quente. Ardência. Suor. O corpo frita na panela de cimento, boiando no óleo de gente. . 
O processo de fritura dura o tempo entre o desembarque em Campo Grande e o livrar-se da multidão plantada às portas da estação de trem. Sob o atordoamento do choque térmico produzido pela passagem do ambiente à 20º C para outro à 40º C, atravesso a roleta de ferro e desço o pequeno lance de escadas concretadas. Não há a menor possibilidade de impor meu ritmo aos passos. Tenho apenas um espaço fluído, cuja ocupação é determinada pelo sentido da multidão que me conduz.
Meu corpo é a multidão. Meu corpo é o espaço construído e o apropriado. Ambulantes, suas barracas e gritos, os homens das vans, seus veículos e gritos, a calçada estreita e o povo à espera de condução, o concreto quente, os gases da combustão e seus cheiros, risos, resmungos, e meu corpo que transpassa penetrado.
Há poucas sombras no retão às margens da linha férrea. Intermitentes, as árvores apenas enfeitam a cidade concreto cinza. Descarnado da multidão, ouço meus passos, minha respiração e um pouco dos meus pensamentos.
O tempo passa no ritmo dos meus passos e respiração. As referências das horas, minutos e segundos me são alheios. Meu tempo é a luz e o calor que do sol emanam, o suor que escorre das têmporas e faz arder os olhos, minha sede,  o estalo dos ossos corroídos pelo uso, o gosto da minha saliva, os movimentos do meu intestino. Meu tempo são os volumes e os tons díspares das vozes e dos ruídos inorgânicos, a temperatura dos corpos e objetos que me passam, o universos de odores orgânicos e sintéticos, o vento produzido pela velocidade dos carros. Meu tempo são os olhares que me encontram furtivamente, os pedaços de corpos que meus olhos buscam, a visão de um homem sujo e sem pernas que atravessa a rua, de um bebê que dorme em seu confortável carrinho.
Meu tempo é o contato do meu corpo com a explosão de sentidos e sensações que a cidade fornece. Meu tempo é a abertura do meu corpo ao mundo, um interstício sem passado ou futuro. Meu tempo é meu corpo num intervalo de eterno presente. A eternidade do que apenas há.
Há uma profundida infinita em tudo que existe. Horizontes. As profundezas não são tormentosas, mas a perenidade de uma harmonia incompreensível. O caos é apenas uma palavra inventada pela violência ordenadora do homem. Nosso corpo é o mundo num elo natural. A vida é viável quando não tentamos ordená-la.
Olha-te, mas olha-te com os olhos despidos dessa roupa que falsifica a vida. Em ti, encontrarás todos os encontros. Em ti, saberás que nada falta, e nesta ausência descobrirás o amor mais belo e sublime. Em ti, encontrarás um deus sem identidade, sem nome, sem sexo e sem cor. Em ti serás feliz.