quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Reflexões sobre o presente

Toda vida caminha para a sua finitude. Nesse caminho, existem infinitas rotas que sempre prosseguem, mesmo que de vez em quando um sentimento de retrocesso apareça. Prosseguir é uma ação intrínseca à vida. Embora permeie a imaginação de muitos sonhadores, a humanidade ainda não conseguiu inventar a tecnologia da viagem no tempo, e mesmo que a inventasse, seria um esforço inútil. Voltando desse breve devaneio, consigo imaginar dois tipos de caminho, a partir da pouca experiência que a vida me proporcionou. Esta tipologia totalmente arbitrária não se furta de um julgamento de valor explícito, embora tal observação seja desnecessária, tendo em vista a inexistência de qualquer enunciação imparcial.

O primeiro caminho consiste numa linha reta, aquele onde a dúvida por onde ir inexiste. No motor dos passos, encontram-se crenças e convicções empedradas. Como a máscara que disciplina o burro, torna-se incapaz de se olhar para os lados. Não é uma recusa, e sim incapacidade, pois não há escolhas. É um caminho rápido, eficiente e seguro, não há questionamento em momento algum, pois o horizonte claro à frente corresponde inteiramente às expectativas do andarilho. É o caminho da salvação e do sucesso.

O segundo caminho é o inverso. Aquele cujo, a cada distância percorrida, maior ou menor, abrem-se novos cursos, cujo destino se desconhece. Este é o caminho daqueles que não se contentam com um destino dado, que não se acomodam ao se depararem uma estrada asfaltada e sombreada de lugares comuns. As promessas de futuro não acometem, este andarilho é pleno de presente, insaciável por vida. O que dizemos por “vida” refere-se à vontade de olhar por outros olhos, experimentar novas sensações e sentimentos. A estrada é esburacada, encontra-se em seus interstícios densas florestas e desertos secos. Ante os obstáculos, o homem cai, levanta, machuca-se, mas quando depara-se com um espelho d’água, admira suas cicatrizes, experimentando o gozo e as lágrimas ocasionadas pelas lembranças de cada uma daquelas marcas.

Seguir pelo segundo caminho não é simples ou fácil. Se o homem caminha inexoravelmente para a sua finitude, a existência é única. O desejo da extensão mais prolongada possível da vida condiciona instintivamente o homem ao primeiro caminho. A busca pela conservação motivou, durante toda a história conhecida disto que chamamos humanidade, as crenças que estruturaram a convivência entre os homens, estipulando os limites sob os quais podia-se caminhar. Seguindo um desenvolvimento linear criticável: primeiro as religiões “naturais”, depois as religiões que delimitaram o território do mundo e do sobre-mundo, e em seguida a razão, crença sobre a qual nossa existência se assenta. As possibilidades abertas partem da premissa de que a crença sobre a qual vivemos encontra-se em crise. Se a razão dotou os seres humanos de uma impressão de que eram os soberanos de seu destino, devido ao seu domínio técnico e intelectual sobre a natureza; também encarnou as relações humanas e com o mundo de total futuro. A razão deu prosseguimento ao longo processo de estranhamento ao natural, perdendo sua dimensão transcendente e tornando-se mero objeto da potência humana. Modelou as relações sociais com uma retidão aparentemente flexível, à medida que suas pulsões individuais foram drenadas para o rio do consumo. O homem passou a ser sua atividade produtiva, e sua realização o reconhecimento da eficácia de seu esforço no que produz. Pautado nesse horizonte restrito – a linha reta a ser percorrida – alienou-se de seu presente, tornando-se refém do futuro modelado pela crença dominante na razão.

Nesse mesmo caminho, alienou-se também de boa parte de sua dimensão sensível – subjugada e controlada em nome da “busca pela felicidade” – estranhando-se à dor e a todo sentimento e sensação “inútil”. O homem fruto da crença na razão tornou-se estranho ao seu presente e ao seu passado, logo estranho à própria vida.

Reconquistar a própria vida, eis o desafio do homem atual. E quando aqui falo em homem, refiro-me ao ser singular e ao ser coletivo. O percurso irrefreável do progresso, uma vez atingido em sua crença fundamental, transformar-se-á em quimera breve. Se hoje a abertura dos horizontes do presente é fenômeno singular – de indivíduos que postam-se reagentes ao regime de pulsões que impossibilita o viver em sua dimensão integral – é possível que se torne coletivo, desmoronando oculto aos olhos da sociedade. A revolução não virá como uma promessa de futuro, mas sim de presente, principalmente quando este homem tomar ciência de que sua potência está em arriscar o imponderável, pondo permanentemente em dúvida o seu percurso. E como somente prosseguimos, as conquistas da razão – o mundo do conforto e do consumo – encontrará seu curso, ocupando um lugar secundário. Prosseguiremos livres para olharmos para o passado sem desejar o futuro, buscando conservar uma vida coletiva onde será possível ao indivíduo explorar da forma mais intensa possível o presente – integral e humano – sem pressa alguma.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Auto-conselho

Por trás daquela beleza
encontra-se a mulher
como todas as outras:
Um mistério a ser vivido
 mas nunca desvendado.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Inexperiência

Ante a bela menina
cujo nome não sabia
Pedi com sutileza
- Por gentileza,
Poderia adentrar a sua vida?

Desconfiada e sorrateira
Com um sorriso desdenhoso
e um olhar de faceira
A bela menina fez troça
e disse sem eira nem beira:

Se sua vontade fosse desejo
Não pediria licença,
Muito menos pedido
E assim, sem força,
entraria

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Sobre a infância

"Escrevo para tranquilizar a ansiedade, e assim ao escrever percebo que é como fumar, uma espécie de alívio mas também de dependência." (Eddie Russell, Memórias Esparsas, p.102)

Sabe, às vezes me sinto velho, principalmente quando me dá vontade de escrever sobre a minha infância. Faz pouco tempo que passou. Tenho só vinte e seis anos. O Lobão, com cinqüenta, escreveu para perdoar. O Rubem Alves, com mais de oitenta, para reviver nas memórias uma outra infância. Quando releio meus textos, tenho a impressão de que escrevo "o passado" (vou deixar como escrevi) para sair dele. Mesmos nas linhas doces sobre meu padrinho, existe uma certa tristeza., talvez amargura, ao mesmo tempo revolta, vontade de libertação.

Pouco disse sobre minha avó, então vou dizer mais um pouquinho agora. Aprendi com ela o "defronte", advérbio de lugar que ninguém mais usa, mas que é bonito de usar.  Também o "Paulo de Frontem", para se referir à avenida Paulo de Frontim. Se alguém me corrigir, confirmo o jeito que aprendi, pois o certo não é o português correto, o nome exato, mas a relação que construímos com o lugar e seu nome durante nossa estória. Minha avó ainda está viva (e espero que viva muito mais), mas mesmo velho, distante, cada vez que essas palavras me vierem ao ouvido ou a boca, a imagem dela, em forma de lembrança ou saudade, as acompanhará.

Mas ainda não escrevo para tranquilizar a saudade....