sábado, 24 de julho de 2010

Já passou da hora de largar as muletas

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Outros olhos

Às vezes, quando menos percebemos,a voz alheia nos alerta para o caminho que estamos seguindo. Então, tomamos consciência de nós mesmos, nos refletindo sobre a nossa construção (ou projeção, o que possivelmente não é muito diferente), enquanto sujeito, enquanto identidade.

Mas isso somente ocorre aos espíritos abertos ao outro, para aqueles que não se consideram como essência pura, e sim enquanto um animal social. Até porque o que há de mais sólido em nós somente ganha consistência quando posto à prova da relação.

Precisamos sempre de outros olhos para conseguirmos nos observar realmente.

domingo, 11 de julho de 2010

"O mundo é o bosquejo de algum deus infantil"

Se procurar bem, você acaba encontrando
não a explicação (duvidosa) da vida
mas a poesia (inexplicável) da vida.
(Carlos Drumond de Andrade, Lembrete)

Acostumamos a apreender o mundo e suas relações pelo que trazemos da vida. Pensamos e tentamos dar sentido as coisas, julgamos segundo nossos valores como melhor ou pior, da forma mais conveniente para nós. Porém, ocasionalmente acontecem coisas com as quais somos incapazes de lidar, inapreensíveis pela carga acumulada que o tempo nos proporcionou.

- O que você quer, afinal?

- Não sei!

Os degraus eram enegrecidos de sujeira e coloridos pelo branco das guimbas pisadas. Os corredores escuros e barulhentos. Vozes grosseiras faziam eco, e inúmeros homens percorriam os andares como matilhas atrás de carne. As portas vermelhas anunciavam o prazer, mas cada uma guardava surpresas desagradáveis ou deslumbrantes. O corajoso tocava a campainha. Uma mulher abria, mormente desnuda, e os predadores espreitavam o que havia dentro dos apartamentos. Gordas, velhas, negras, menores, havia sempre para todos os gostos, mas a caça envolvia muitos caçadores, o que tornava a busca pela saciedade quase uma disputa, embora solidária. À cada saída, uma indagação, “e aí, está bom?”, ao que se esperava sinceridade, coisa difícil quando se envolve tesão.

Nunca imaginei o que encontraria naquele prédio comercial, de aparência austera e nome de santo. Cervejas eram anunciadas em cartazes de papelão, com grafia errada. Uma grade aberta servia de porta a um desses apartamentos, onde se via um homem muito gordo, velho, peludo e seminu, assistindo TV estirado num sofá velho, do qual levantava para vender suas bebidas. E havia lugar para gente normal, que anunciava em suas portas “Por favor, não toque. Residência familiar.” Como aquele tipo de gente morava ali?

Percorremos quatro andares do prédio. Quanto mais se subia, menos portas vermelhas, menos homens à procura. Razão simples, mulheres mais velhas, acabadas, a lógica da vida inversa a ascensão física vertical dos edifícios. A timidez de início transformou-se na mais estranha volúpia curiosa de saber o que havia dentro dos apartamentos. Se antes me sentia ameaçado, a observação, a adrenalina do desconhecido e a prática entusiasmaram meus dedos. “Oi amor, venha, vamos entrar”. O tempo para decisão era curto, não havia muito o que ponderar. Não sabia o que queria a princípio, e recusava com aquela costumaz maneira sem jeito, educada demais para aquele mundo. “Não, muito obrigado”, totalmente envergonhado.

Meu amigo e eu penetramos duas ou três dessas portas, que ocultavam pequenos cubículos. Geralmente havia três cômodos. Uma sala, onde se faziam as apresentações e vendia-se bebidas. Ora uma junkebox tocava música brega ou funk erótico, ora algumas TVs exibiam filmes pornográficos. Um banheiro sujo, mas com pias e chuveiros para putas e clientes se limparem e fazerem suas necessidades. Um anexo, que se escondia atrás de uma cortina picada, se subdividindo em buracos escuros onde se consumia.

Era no primeiro cômodo em que se ficava mais tempo. Tudo era apertado, e apesar das poltronas existentes, não havia espaço para mais de dez minutos. Um aviso servia para tornar a rotatividade bem intensa. “Tempo máximo de permanência sem consumo: 2 minutos.” Difícil a 5 mangos por cerveja. Se antes titubeava sobre o que queria e viera fazer ali, tudo se tornou muito simples: Foder.

O 118 era nosso destino. Havíamos entrado ali no tempo da inocência (a minha, é claro). Uma pequena morena com aparência de menor, pequenos seios pelados e uma bundinha proporcional maravilhosamente linda. Uma loira. Uma morena corpulenta, que ocupava a função do barman enquanto este saia para renovar o estoque. Uma outra, nordestina, com o cabelo dividido em tranças que lhe dava um ar juvenil e sapeca. Não parava de rebolar, olhando-se ao espelho. À súbita atração, acordei rapidamente, meia hora mais duas camisinhas. Deixei uma grana para meu amigo.Fomos ao buraco.

Sem muito papo. A princípio só a calça. A pedido, tudo. Joguei mochila e roupa para o fundo do colchão – o único espaço disponível – e deitei. Ela veio como louca, me chupando e beijando. Eu suspirava com seu ardor. Logo fiquei duro, e ela foi descendo com a boca, até colocar-me o preservativo. Chupou um tempo que parecia saber precisamente, e sentou virada para mim. Sorvia o bico dos seus peitos enquanto ela subia e descia. Algum tempo,  vira de costas e continua o mesmo movimento, mais frenético. O escuro estilizava a sombra do movimento do meu pau entrando em sua buceta. Indagando-me a minha vontade, coloquei-a de quatro. Soquei forte e rápido, puxando levemente suas tranças para trás. Ela gemia e o que importa é que era convincente. Deitei-a de costas e continuei metendo. Com seus macetes de mulher da vida, foi fechando as pernas e apertando, tornando a penetração mais gostosa. Gozei por medo do tempo – sempre ele.

Deve ter sido uns quinze minutos, e ela fez a pergunta engraçada “Vamos de novo.” Sorri e nos pomos a conversar um pouco. Era da Bahia, e havia acabado de completar 18. Chegara a poucas semanas. Era linda, e lhe disse, perguntando sem menosprezar, se não arranjaria um outro lugar melhor na cidade. Respondeu de que fora enganada por uma falsa promessa, e já que estava ali, pouco importava. “Perdão, qual seu nome, seu péssimo com isso.” “Katrina, é só lembrar do furacão.”

Saciado, sem pressa e tranquilo, sentei defronte a junkebox, pedi uma cerveja e pus-me a observar, já que João acabava de entrar com a loira. Tocava um pagode brega, interrompido pela campainha que soava a cada minuto. Entrava todo tipo de homens, que saiam ou se resolviam quase instantaneamente. Um homem negro de boné e um senhor nordestino fugiam ao movimento intenso. O primeiro resolveu-se com minha baiana, mas não me importei muito. O segundo ficou junto ao bar. Lembrava-me dele na entrada. Era baixo, idoso, e exibia manchas horríveis na cabeça. Parecia parte daquela bizarra decoração de bolas em verde e amarelo, como necessário aquele mundo. Pouco conversava, parecia não existir, não estar ali. O que era aquele homem? O que era aquele lugar, aquela música, aquelas mulheres, aqueles bandos? Tudo era incompreensível, não fazia parte de nada, era absurdo e por isso dotado de qualidades que não conseguiria descrever. Só sabia de uma coisa: estava como que imerso num fascínio calmo e triste, um prazer prolongado, de infinitude. Como se a “paz de Deus” (e como me sinto estranho dizendo isso, mesmo sem saber o que quero dizer) estivesse em mim.

Após a volta de Joca, comprei mais uma cerveja, e dividimos sentados. Saímos em alguns minutos, pois havia muita coisa a se fazer no mundo real. Deixamos o prédio, com nossa cerveja. Dei-lhe um beijo e um abraço, agradecido por aquilo. Um maravilhoso mundo, afinal, que possivelmente nunca se repetirá, e por isso basta para ser eterno.