domingo, 31 de janeiro de 2010

Futuro do Pretérito

O futuro do pretérito é o tempo verbal da insatisfação do homem com a sua imperfeição
Da realidade alternativa que nunca existiu, mas que gostaríamos que tivesse existido.
Da moralidade, que impele ao homem do presente a responsabilidade do que não mais existe
Da impossibilidade de conceber que não há mais possibilidade de escolha
Que o que passou é e nunca deixará de ser inexorável

É o tempo da dor, que possivelmente não passará

É o tempo da cruz que insistimos em carregar

o tempo da civilização

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Adeus superego!

Eu estou bêbado! O suficiente para dizer coisas que não diria sóbrio, mas não tanto para deixar passar erros de português. Hoje não haverá ilustrações, contente-se com essa realidade sem graça, pois essa é a verdadeira. Minha noite foi maravilhosa. Conquistei um amigo, alguém que há muito admirava, e parece que agora ele me considera um par. Conversamos assuntos relevantes, sobre mulheres, e bebemos, a lot! Enquanto bebíamos, apareceu uma ruiva maravilhosa, e nos ofereceu uma filipeta de uma wiskeria (leia-se puteiro) que estava abrindo na rua da Quitanda. Number One. Nome misterioso. Meu encantamento "Mandrake" (leia-se: protagonista de Rubem Fonseca, se você não sabe o que é, foda-se, procura no google!) tomou-me conta, fiquei excitado e estimulei meu genial amigo a me acompanhar. Seu  pudico espírito "classe merdista" falou mais alto e foi para casa. Na onda das sete cervejas (não é preciso muito para me deixar no brilho), voltei e vivi a minha "aventura" sozinho.

Nenhuma menina se encantou por mim! O diabo da ruiva, com sua excitante tatuagem, era só uma promoter, paguei cervejas, e nem assim fui percebido. Saí pelas onze, antes da noite acabar, cambaleante. Fato: não voltarei! Fato 2: Frustrado? Claro, mas com um auto-estima do tamanho do mundo. Afinal, homens de verdade são aqueles que têm derrotas para contar.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Porque devemos pular Carnaval


Francisco de GOYA E LUCIENTES, Spanish Entertainment, 1825

Os camponeses ficavam nos cabarés dos arredores, bebendo e preparando-se para a fiesta. Haviam chegado tão recentemente das planícies e das montanhas, que precisavam habituar-se gradualmente à mudança de valores. Não podiam começar pagando os preços dos cafés, e gastavam seu dinheiro nas tavernas. O dinheiro tinha ainda seu valor bem definido em horas de trabalho e em alqueires de cereais vendidos. A seguir, durante a fiesta, não teriam mais importância os preços ou os lugares onde os pagassem. (Ernest HEMINGWAY, O Sol também se levanta, p.163, 1981)


Quem deseja colocar-se na dependência de uma ordem, de uma possessão ou de uma ciência, e se submete à lei (a do lucro ou a da segurança) que elimina, com o risco, a felicidade que ela promete. Aliena-se. Nada “obtém” da felicidade senão representações. Porquanto não parece haver felicidade senão onde o outro é a condição de ser, onde se faz a festa, onde a conservação dos bens é alterada por um dispêndio feito em nome de outrem, de um outro lugar ou do Outro, onde se interpõe a festa de uma generosidade comunicativa, de uma aventura científica, de uma fundação política, ou de uma fé. (Michel de CERTEAU, Culturas no plural, p.54, 1995.)

Muito se critica sobre certo aforismo brasileiro que afirma que o ano começa somente depois do Carnaval. Intrínseca a essa argumentação, encontram-se as opiniões acerca da falta de ânimo ao trabalho do homem tupiniquim e a sua indisposição ao esforço coletivo, à iniciativa de construção do bem comum. O grande historiador paulista Sérgio Buarque de Holanda caracterizava no tipo ideal do aventureiro um dos fatores de nosso atraso, enfatizando a ânsia individual pelo enriquecimento do colonizador português em contraposição ao esforço de construção e planejamento da colonização espanhola.

Esse tipo de reflexão tem como referência o desenvolvimento histórico de uma sociedade específica, com valores políticos e uma moral social que lhe são próprias. Sérgio Buarque, assim como o liberal francês Alexis de Tocqueville no século XIX, tomavam o exemplo inglês como o grande exemplo de sociedade política, fundada em tradições e instituições que garantiam a estabilidade social e política, e conseqüentemente o progresso tecnológico e econômico. Foi na Inglaterra, dentro desse quadro consolidado, que emergiu a sociedade capitalista, com valores que se expandiram pelo globo e deu formas ao que chamamos de mundo contemporâneo. O capitalismo, que segundo a reflexão webberiana teve o cerne do seu sistema de valores advindos do protestantismo calvinista,  fundado na austeridade e na valorização do trabalho, engendrou um outro tipo de cultura, onde o indivíduo passou a valer mais do que a comunidade, e a existência passou a ser definida a partir da condição social possibilitada pelos frutos do trabalho, traduzido em consumo.

Tanto a crítica do liberalismo político quanto a da ética capitalista do trabalho permeiam a opinião do senso comum sobre o “jeitinho brasileiro”, esse povo preguiçoso e malandro que só pensa em “se dar bem”, sempre em detrimento do próximo. Encontraria-se aí a explicação de todos os males do país, desde a desigualdade social à corrupção vigente. Desta feita-se, faz-se um julgamento sobre a evolução histórica de nosso país, rebaixando-o na hierarquia da história da civilização mundial. Logo, o Carnaval, se por um lado se destacaria como a manifestação cultural que melhor representa o povo brasileiro, por outro seria o símbolo maior de nossa inaptidão à civilização.

O preconceito e o julgamento são práticas ontologicamente humanas. Desde nosso nascimento, somos delimitados cultural e historicamente pelo mundo ao nosso redor, educados nos valores dessa sociedade que legitima comportamentos repressivos. Valorizamos tanto o trabalho porque fomos instruídos nessa moral social,  funcionando nos limites do fracasso e sucesso, onde os homens são reconhecidos por padrões de poder, riqueza e beleza que supervalorizam a capacidade do indivíduo de se engrandecer. Passamos um terço da vida nos sacrificando para atingir esses padrões, lutando contra o estigma do fracasso que a competição estrutural nos impõe, e que se existe é porque partilhamos e aceitamos essas representações. É essa sociedade, são esses valores, que denigrem o Carnaval, ou tentam transformá-lo em lucro, utilidade, produto e consumo.

O que há de verdadeiramente revolucionário no Carnaval se assemelha à narrativa de Heminghway acerca do comportamento dos camponeses nas touradas de Pamplona. Um momento onde o maior valor é a fruição, a felicidade em estar compartilhando a alegria com outros, onde o semelhante não é um adversário, e sim um partícipe. Um sentimento instintivo, que é subversivo pois reage à moral social, onde – e este é o caso específico do Carnaval – o ridículo encontra um momento de aceitação. Se as festas de Pamplona têm um caráter assumidamente religioso, o Carnaval justifica-se dentro do universo cultural católico brasileiro como uma festa laica de descarrego e luxúria que prepara os quarenta dias de privação que antecede a purgação da culpa que está no princípio do Cristianismo. Se Cristo se doara em nome de seu povo, essa doação nos foi cobrada em séculos de repressão cultural, consolidada em instituições que acabaram por desnaturalizar o próprio homem.

O Carnaval, em sua significação mais essencial, na espontaneidade da sua  festa, escorregadio aos tentáculos disciplinadores da ordem do Estado e do capital, nos põe de volta em contato com os nossos instintos mais naturais, e que só adquire seu sentido na presença do outro, com quem se compartilha um estado de catarse ocasionado pela fruição, abrindo um canal desobstruído de comunicação. Obtém assim uma felicidade que, seguindo pelas idéias de Michel de Certeau, não se restringe à dependência das representações produzidas pela ordem e seu discurso de autoridade.