domingo, 26 de junho de 2011

Morte e Família

Possuo um certo medo das palavras. Não delas, pura e simplesmente, mas de transformar meus pensamentos e sentimentos em palavras. Tenho medo de me ver incapaz dessa operação, o que me afasta, por vezes, do papel ou do Word.

Nesse fim de semana o meu avô morreu. Corrigindo, nesse fim de semana o pai da minha mãe morreu. Pelas convenções sociais sim, é meu avô, mas sempre foi um parente afastado. Seria hipocrisia dizer que sinto a sua morte. Sinto pela minha mãe, que teve uma história junto a ele e sofre neste momento. No fundo, creio que estou feliz, ou ao menos aliviado com a morte do pai da minha mãe. Vinha sofrendo muito nos últimos tempos, por causa de uma infeliz operação na próstata que o deixou impotente e obrigado a usar fraldas.  Pelas estórias que ouvi e pelas impressões que nutri nos poucos contatos que mantive com o senhor José Luiz, me pareceu um homem vivaz, que gostava do seu ofício de eletricista, de tomar cerveja junto aos seus companheiros de bar,  e de mulheres. Teve muitos filhos, mas nunca levou jeito para pai. Foi enterrado com preces protestantes, o que também sinto. Um homem tão mundano, que sempre deu tanto valor aos prazeres da vida, merecia um enterro à moda nordestina, onde os homens bebem a morte do defunto. Mas sou neto distante, o filho da filha, sem arbítrio nenhum sobre essa decisão. 

Este foi um fim de semana pesado. Minha tia veio passar o Corpus Christi aqui. Quando jovem, era linda. Nunca foi feliz em suas escolhas, e seu caráter duvidoso acabou afastando-a das pessoas que a queriam bem. Engordou com o tempo, tornou-se descuidada. Hoje é hemofílica, e vive uma vida sofrida. Gosto da minha tia pelo carinho que demonstra por mim. Ela é engraçada, gosta de me dar presentes, é uma mulher inteligente, com quem consigo ter, eventualmente, boas conversas. O problema está nos seus valores, o prazer que tem em fazer intrigas, em ver o circo pegar fogo. Na madrugada em que escrevo este texto me encontro acordado por causa dela. Comeu demais durante o dia e à noite vomita horrores no banheiro. Ouço seu sofrimento. Seu sistema imunológico encontra-se debilitado por causa da doença, por isso tosse o tempo todo. Não consegue levar uma vida moderada, tem um prazer desmesurado em comer, e sofre com isso. Tenho pena e ao mesmo tempo medo de ficar assim no futuro. 

Família é um assunto complicado. Cresce-se junto a eles, com todo afeto e atenção dedicado ao filho, neto, sobrinho. Um dia, cobra-se por isso. É necessário cuidar dos velhos, dedicar-se a isso. Seguir a própria vida é ingratidão. Meu pai nunca saiu de casa e isso me assusta, tanto quanto me afastar dos meus pais e da minha avó. Meu amor a eles é incondicional, mas uma raiva muito intensa aparece de vez em quando ao me sentir culpado por querer sair de casa. Ontem a minha avó passou mal, teve uma crise séria de reumatismo no ombro. Seu sofrimento me deixou preocupado. Quando penso em sair de casa, penso no vácuo que deixaria na vida dela. Creio que sou parte importante do sentido da sua vida. Gosta de cuidar de mim.  Todos gostam, faz parte do sentido da vida de todos. 

Mas meu espaço é pequeno nessa casa, minha vida é muito grande e não cabe. Um cordão umbilical nunca cortado. Há dor? Deve haver, para ambos. A morte virá, ninguém escapa, mas queremos que as pessoas que gostamos vivam para sempre. Elas não viverão. A morte nos lembra da finitude, torna a existência frágil. Ficamos com medo, e tendemos a nos agarrar ao que temos. Será que também pode ser tempo para nos libertar e começar a viver?

Dia 27-06-2011- 02:51