quarta-feira, 6 de maio de 2009

Emancipação

Era como se não houvesse o que esperar, e a passagem do tempo deixasse de ser um fardo, uma dor. Era como se cada momento vivido fosse o melhor até aquele instante. E era eu, tão somente, o responsável por aquela mudança. Não me perguntem como consegui alienar dos sentimentos a dor, a ansiedade, a angústia. Sinceramente não sei. De um instante para outro, adquiri o poder de encontrar o êxtase em cada nuance do presente imediato, e tudo além deixava de importar. O mais impressionante é que, na minha caixa de lembranças, estava tudo lá. O desejo pelas mulheres, pelo conhecimento, as imagens de paisagens bonitas que conheci e que gostaria de conhecer, as reminiscências palatativas, o gosto do chocolate, o prazer de fumar depois do almoço num dia frio. Não obstante, deixava de ser urgente, não mais ansiava desesperadamente. Era como se o dispositivo de acionamento da vontade tivesse sido tirado do automático, e o da admiração, contemplação, trabalhasse em sua mais alta potência. Este despertar me deixou perplexo. Estava realmente disposto a explorar este novo homem que nasceu naquela manhã de março.

Não havia pressa.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Desconstrução

Um homem beirando os sessenta, que passa dois terços de sua semana recostado numa ampla barriga, assistindo televisão e dormindo. Um homem sem amigos, que só se move num pequeno raio de distância, cujo maior prazer consiste em beber cerveja no bar mais próximo, quase solitário.

Eis a triste visão que tenho de meu pai. Talvez um olhar mais distante possa afirmar “Está aí um homem que não precisa de muito para viver”. Aceitar esta verdade certamente me faria uma pessoa mais feliz, se todo o dia não tivesse que topar com aquela coisa decadente, cabisbaixa, com medo do mundo e desconfiada de todos. Como poderia admirar essa figura masculina que faz da submissão da mulher sua fonte de subsistência, que se esconde dos desafios do mundo num código moral fácil, fundado em bem e mal, sucesso e fracasso, vencedores e perdedores?

Nem sempre foi assim. Dos vinte e cinco anos em que hoje me encontro, a maior parte foi de respeito e admiração imponderável por aquela figura. Era o lugar de autoridade, sempre incontestável. Era tão fácil... Mas a vida, embora totalmente sem sentido em si, me reservou desígnios distintos, levando-me ao conflito com aquele mundo de verdades quase matemáticas.

Nunca como nos últimos anos pensei tanto em meu pai. Pensamentos questionadores, que peca em vilipendiar aquela memória sacra que guardo em meu coração. Se antes sua potência imputava-me temor, a razão do medo agora encontra-se exatamente em sua antítese. O tamanho do meu poder ante o ídolo desconstruído, frágil, faz-me temer pela piedade. Porque apesar de tudo, o amor de um filho pelo seu pai é incondicional.

Por que é tão difícil sair dessa adolescência?