Sonhei certo dia que
havia encontrado uma máquina supressora de hábitos. Saturado da vida que
levava, topei o risco. Da transformação produzida fiquei apenas com sons e
signos desprovidos de significado. Perdi toda a profundidade com que me
relacionava com o mundo, que passou a se constituir de imagens enigmáticas. Com
o que me sobrou, só me restou fazer uma reza, porque o que escolhi não entender
tinha que ser religioso. Mas um sentimento me afirmava que precisava de um
propósito e um destinatário. Qual? Quem?
Nenhuma ideia de Deus me socorria e os propósitos havia abandonado com
os hábitos.
Me olhei no espelho e
vi uma forma estranha e bizarra. Não era reflexo e sim disflexo. Que mostrum era aquele que me encarava, fora
de qualquer ordem concebível? Era largo em seu meio, de suas extremidades saiam
prolongamentos que o sustentavam e um recipiente quadrangular o encimava,
recoberto por tecidos finos de uma textura negra. Nesse recipiente ainda havia
sete buracos, cinco frontais e dois laterais. Três deles expressavam algo como
a resposta de um mecanismo interno que parecia ser meu. Um dos frontais
movia-se de acordo com a minha vontade, e ouvi um som: PESADELO.
Seria o nome do deus
que procurava? Repeti o som algumas vezes, como num mantra em busca de alguma
revelação. Arrisquei que a revelação era a precisão de algum reconhecimento.
Por que precisava reconhecer? O que precisava reconhecer? Que sentido havia
nessa necessidade? Uma expressão me veio a mente, sem qualquer referência
espaço-temporal para localizá-la: O VERBO ERA DEUS. Sabia do “verbo” que criava
e do “deus” que era vontade. O que aquilo queria dizer? A afirmação anulava meu
esforço primeiro. Como fazer uma reza dirigida para o que dizia? Afinal, se faz
alguma reza que não seja para algo de divino? O que era a necessidade de deus
diante da ausência de significados? Se o verbo era deus e o som saia daquele
buraco por mim comandado, o que era eu? Algo maior que deus? Eu era a entidade
criadora maior? Talvez daí viesse a desnecessidade de sentido. O que antecede a
criação não é o vazio, o nada? Eu era o nada? A ideia da reza perdeu sua
substância, e nada mais podia fazer.
O monstro diante de mim
desapareceu, e o disflexo transformou-se num alienígena que nada me causava,
uma transparência. Abandonei-lhe em sua prisão de vidro e fui pra rua ver se
encontrava algo diferente do absoluto aterrador a que meus pensamentos me
conduzia. A iniciativa foi um espanto para ver se acordava. Como havia decidido
não saber o que era a rua, apenas me ocorreu que era fora, o mundo desamparado
porém distante daquelas prisões interpenetradas, o alienígena no vidro, as
paredes. Saí em expansão com meu vazio que precisava ser preenchido.