terça-feira, 5 de maio de 2009

Desconstrução

Um homem beirando os sessenta, que passa dois terços de sua semana recostado numa ampla barriga, assistindo televisão e dormindo. Um homem sem amigos, que só se move num pequeno raio de distância, cujo maior prazer consiste em beber cerveja no bar mais próximo, quase solitário.

Eis a triste visão que tenho de meu pai. Talvez um olhar mais distante possa afirmar “Está aí um homem que não precisa de muito para viver”. Aceitar esta verdade certamente me faria uma pessoa mais feliz, se todo o dia não tivesse que topar com aquela coisa decadente, cabisbaixa, com medo do mundo e desconfiada de todos. Como poderia admirar essa figura masculina que faz da submissão da mulher sua fonte de subsistência, que se esconde dos desafios do mundo num código moral fácil, fundado em bem e mal, sucesso e fracasso, vencedores e perdedores?

Nem sempre foi assim. Dos vinte e cinco anos em que hoje me encontro, a maior parte foi de respeito e admiração imponderável por aquela figura. Era o lugar de autoridade, sempre incontestável. Era tão fácil... Mas a vida, embora totalmente sem sentido em si, me reservou desígnios distintos, levando-me ao conflito com aquele mundo de verdades quase matemáticas.

Nunca como nos últimos anos pensei tanto em meu pai. Pensamentos questionadores, que peca em vilipendiar aquela memória sacra que guardo em meu coração. Se antes sua potência imputava-me temor, a razão do medo agora encontra-se exatamente em sua antítese. O tamanho do meu poder ante o ídolo desconstruído, frágil, faz-me temer pela piedade. Porque apesar de tudo, o amor de um filho pelo seu pai é incondicional.

Por que é tão difícil sair dessa adolescência?

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