domingo, 26 de julho de 2009

PARANÓIA URBANA

É madrugada, e as únicas luzes acesas são as da tela do computador e a do corredor do andar, que transpassa a janelinha da porta de entrada. Chove e faz um frio ameno. Ouço os pingos caindo, o vento balançando as folhas da mangueira do terreno ao lado. Quando em vez, um barulho de fruta caindo.

Estou sem sono. Cafés, mais a maldita sesta. Todos dormem em casa. Tento fazer os olhos pesarem assistindo à filmes no computador. Não vou pegar em textos hoje. Amanhã acordo às oito. Ouço passos no corredor. Intermitentes, parecem se esconder. Chaves destravando a fechadura. A porta abre-se, fecha-se. Toda a madrugada é assim.

Um som é só um som. Seria bom acreditar. Passos seriam somente passos, se não me informassem diariamente as estatísticas sobre o aumento de assaltos às residências. Portas abrindo de madrugada significariam apenas a existência de pessoas com hábitos noturnos, se acreditasse que na vida não tenho nada a perder. As folhas a caírem das arvores seriam um inofensivo movimento da natureza, se qualquer bicho não domesticado maior do que a minha unha não me deixasse terrificado. A ameaça permeia o tecido do escuro e do silêncio.

Essa não é uma hora boa para passos e fechaduras. É contra o fluxo da vida, a ordem do mundo. Num prédio residencial à uma da manhã deve reinar o mais absoluto silêncio. Logo, sob a sugestão da solidão e da escuridão, sem às vozes costumeiras do dia, tudo é estranho, prenúncio de perigo, aviso para o medo. Onde deveria reinar a paz, ressente-se pela falta do conhecido e inofensivo, as vozes, o movimento e a luz. A cada ruído inesperado, um arrepio, um suspiro, um pulsar mais acelerado. O stress piora a minha insônia.

Resisto a cama, pois se existe algo pior que essa realidade de filme de terror, são os pesadelos que costumam me assombrar quando forço um sono inexistente. Acordar com o grito engasgado, com aquele fremido mais assustador do que o próprio pesadelo. Malditos cigarros, que me põem a dormir de boca aberta. Ficar acordado é uma opção entre os fantasmas do sonho e os que existem em cada ruído. Escolho o segundo, o que com o tempo, acabo por aceitar bem. Nunca nada acontece, apesar de sempre parecer que vai.

5 comentários:

Bárbara disse...

Adoro o silêncio da madrugada... há dias em que o aguardo anciosamente. Também aprecio as perturbações que complementam a noite escura... Bom texto, leitura prazerosa... Parabéns!

Aninha disse...

Que ótima leitura rapaz!
Vc me fez parecer q tem sindrome do pânico! Não sei se era essa a intenção ou não... Rsss

Bjks

Deftones disse...

Há paralelos entre o que tu sente e entre o que sinto também, e já escrevi sobre isso noutras vezes... a coisa do sono forçado também é algo que me atormenta, a necessidade voluntária de permanecer desperto durante a madrugada, os fantasmas que nos permeiam - alguns vivos, como estes de que você fala, e outros nem tanto, como os que nos apressionam só com alguma psicologia barata... essas horas, em que todos dormem e o silêncio predomina, são aquelas em que nós da cidade temos o máximo de contato possível com o que há de puramente natural, e é por isso que é geralmente nessas horas que concluímos que a vida é uma merda; porque é mesmo... é por isso que te digo que há medos piores que o de invasores iminentes...

Giancarlo Marelli disse...

Cara, insônia é mesmo cruel.
Mas vem cá, acho melhor ouvir um sonzinho aqui e ali, que envidenciam pra mim que o mundo ainda é o mesmo. Já imaginou 100% de silêncio? É pra ficar louco...

Oddie disse...

infelizmente a necessidade do homem de controlar e organizar o tempo nos obriga a ter a maldita hora de acordar, hora de trabalhar, hora de comer...veja, se nossos ancestrais necessitavam da insônia para sobreviver a longas noites cercadas do verdadeiro terror, atentos no escuro de suas cavernas ou no topo de suas arvores, ao menor ruido do provável predador que o rodeia, não é de todo mal essa coisa nossa, natural, do que vem á mente ou no gene que nos mantem acesos, alertos....e não é tão diferente do que é hj...