domingo, 7 de março de 2010

Outro dia (...)

Outro dia, tive um prazer que nunca havia experimentado. Chegara cedo à comemoração do aniversário de uma amiga, na Lapa, então acabei procurando um bar para tomar uma cerveja, enquanto ninguém chegava. Acabei me alocando na esquina da Lavradio com a Riachuelo, num estabelecimento que já sou freqüentador, mas no qual nunca havia estado sozinho. Sentei e pedi uma Brahma. Ante a ausência da predileta, optei pela Antártica. Quatro e cinqüenta era caro para uma cerveja, mas estava razoável para os padrões da Lapa.

Em tempos de choque de ordem, achar um bar onde possa beber e fumar é quase um privilégio. Oliveira (todo garçom pode ser carinhosamente assim chamado, uma convenção entre meus amigos) trouxe a garrafa, poupei-lhe o esforço e enchi meu copo. Tinha estudado boa parte da tarde no Real Gabinete Português de Leitura e posteriormente no CCBB, procurando bibliografia para uma pesquisa em que estou trabalhando quase de graça (ossos da amizade!). Na noite anterior, dormira pouco, fichando textos importantes e envolto em pensamentos pervertidos. Enfim, estava cansado, e o lugar que haveria de ir em seguida, onde se daria a comemoração para a qual lá estava, não era de meu gosto, cerveja cara, gente empolada, música ruim e sem espaço externo para fumar. Comparecer era uma obrigação de amigo, a qual minha consciência ainda não consegue suportar o peso de não cumprir.

O primeiro gole na Antártica foi maravilhoso, como todos os primeiros goles após um dia fatigante de trabalho. É de um alívio, digamos, ao nível da subsistência, imagino que comparável daqueles que tomam vodca ou uísque para suportar o frio do inverno russo ou escandinavo. Estava com a bolsa pesada de livros que havia comprado horas antes num sebo, e a aloquei no meu colo. Após duas goladas generosas, acendi meu cigarro, e me pus a observar o movimento. Sete da noite ainda era cedo para o “fervo”. Como sempre, muitos mendigos passavam, meninos de rua, alguns engraxates, vendedores de amendoim, até trabalhadores, engravatados, estudantes saindo da faculdade. Aquele era um lugar que as pessoas costumam chamar de “democrático”, pois fica estrategicamente localizada entre o Centro – comercial, empresarial, cultural – e alguns bairros residenciais, como Santa Tereza, Bairro de Fátima, Praça da Cruz Vermelha. Porém não há nada de democrático, pelo menos a noite, dado os preços exorbitantes aplicados na região. Andava realmente desgostando do núcleo da “legítima” carioquice. Maldita revitalização!

Como minha paciência de voyeur não é muito grande, logo me enfastiei, e pus-me a manusear os livros que havia comprado. Abri a primeira página de “O Clube do Filme” e comecei a lê-lo. Este livro trata da tentativa de um pai canadense, crítico de cinema, de proporcionar alguma educação ao filho de 16 anos, dando-lhe a oportunidade de deixar de freqüentar a escola, na qual ia de mal a pior, por uma atividade diária de assistir três filmes, a escolha do pai. No dia posterior, descobriria que o David Gilmour, autor do livro, não é o do Pink Floyd, como um amigo meu havia dito. A leitura cativava-me a cada linha, e não parei de ler. Bebia, fumava e lia. Tudo ao meu redor desapareceu e senti uma sensação subitamente agradável. Nada tirava a minha atenção, a não ser quando a garrafa terminava. Ficar só sempre foi um problema para mim, e estava feliz de não ser naquele momento. Aos poucos, senti a onda da cerveja subir-me a cabeça, já na terceira garrafa. Embora a leitura continuasse agradável, fechei o livro e pedi a conta. O resto da noite não interessa, pois não foi agradável. O que me leva a acreditar que, momentaneamente, a solidão tem me feito feliz. Estou meio cansado do “fervo”, de ouvir, de trocar alguma coisa. Melhor, não estou tendo necessidade disso, de algo que sempre me foi uma constante. Ando encontrando os outros, na maioria das vezes, mais como dívida de amizade do que por prazer.

Falta-me ainda uma coisa. Quer dizer, falta-me muita coisa. Plenitude, só morrendo. Refiro-me aquilo que me falta com mais urgência.  Liberdade para amar, ou amar com liberdade. De certa forma, ainda me parecem palavras paradoxais. Talvez o primeiro passo tenha sido dado para desconstruir essa impressão. Amanhã tenho analista.

Vou falar de mulheres.

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