Fostes um todo de toque, cheiro,
suspiros, gosto e gozo.
Um não-lugar sem consciência,
só desejo
em que encontrei meu corpo que faltava,
perdi meu ser e fui pleno.
domingo, 27 de abril de 2014
segunda-feira, 14 de abril de 2014
Algumas palavras sobre a autoridade do professor e o espaço pedagógico
O
ponto de partida da pedagogia já não poderá ser o desejo de civilizar, mas o de
desenvolver pessoas livres, caracteres soberanos. É por isso que a vontade, até
ao presente tão violentamente oprimida, não deverá continuar a ser
enfraquecida. Tal como não se quer debilitar a vontade de saber, também não se
deverá enfraquecer o querer. Quem quiser um, tem de querer o outro. A
insubordinação e a teimosia da criança têm tanto direito como o seu desejo de
saber. (Max
Stirner, O falso princípio de nossa educação in Idem, Textos dispersos, Lisboa, Via Editora, 1979, p.65-93.)
“Autoridade do professor”,
“postura de professor, “controle de turma”, “manter a ordem”. Estes são os termos que caracterizam o “bom
professor”. Ele sempre está no “controle”. Não admite o riso, a brincadeira, o
jogo. Em sua imagem de austeridade, existe uma economia dos afetos que lhe
preserva a “autoridade”. A rigidez é necessária para manter a “disciplina” e a
“ordem”. O “bom professor” não pode se “igualar” ao aluno, dar-lhe “confiança”.
A partir do título sagrado de
“professor”, exigimos obediência, a que
nomeamos eufemisticamente de “respeito”.
O aluno é sempre objeto de
desconfiança. De vez em quando, damos um “voto de confiança” quase na
expectativa do erro e sua consequente condenação. Não aceitamos o erro, o
desvio, a frustração. Nos encastelamos na “autoridade” de nossa formação. Somos
os portadores do conhecimento, os agentes civilizadores. Da altura de nossos
valores morais, culturais e estéticos, julgamos todo o comportamento estranho
aos nossos gostos como inferior. O “funk”, o “passinho” e o “quadradinho de
oito” não passam de apologias ao crime e ao sexo. A menina gorda de shortinho é
ridícula, o menino negro que pinta o cabelo quer parecer um marginal.
A “autoridade” do professor é a
negação da diferença em nome da reprodução da “norma”. Na condenação dos
desvios, na preservação da “ordem”, somos civilizadores, não pedagógicos.
Perdão, talvez sejamos pedagógicos, mas de uma pedagogia da norma, da adaptação. Dizemos aos nossos alunos para abandonarem
suas referências em nome de um futuro que já conhecemos de antemão, pois a
realidade social é “impossível” de se transformar. Selecionamos os alunos destaques nos conselhos
de classe como o mercado de trabalho seleciona sua mão-de-obra, ou seja, de acordo
com a melhor adaptação ao modelo de comportamento exigido: disciplinado,
obediente, esforçado.
A “autoridade” do professor
- vista como natural, sagrada e
imprescindível - nega a escola como espaço pedagógico de transformação. Quando julgamos nossos alunos em sua
diferença, nos fechamos. Exigimos deles a abertura para o que queremos
apresentar, mas não nos abrimos para o que eles têm a nos apresentar. Ao
condicionarmos a confiança em nossos alunos ao acerto, negamos o momento
fundamental da produção da autonomia, da transformação, da constituição ética
do sujeito. Ninguém se questiona porque acertou. Nos pomos em questão quando
erramos. O erro pode ser o caminho
aberto para novas possibilidades, desde que não se associe o erro à culpa e a
correção à punição. O que percebemos como “aluno-problema” pode ser uma
oportunidade maravilhosa, porque é o aluno desviante que põe a escola em
questão, que nos faz repensar o exercício de nossa profissão e a própria
instituição escolar.
Pensar a escola como um espaço
pedagógico de transformação implica considerarmos todos seus integrantes como
sujeitos pedagógicos. Professores, funcionários e alunos. Sim, alunos! Com
eles, também aprendemos. Mas aprender significa abrir-se a experiência, ao
risco. Significa assumir que não sabemos, porque o não-saber é a condição
necessária para qualquer processo ensino/aprendizagem. Significa abrir mão da
“autoridade”. Ao estimularmos seus desejos, suas vontades, ao estarmos abertos a suas escolhas e visões
de mundo - ou seja, ao confiarmos em nossos alunos – adquirirmos sua confiança,
seu afeto e seu respeito.
Abrir mão da “autoridade” não
significa abrir mão do respeito, mas concebê-lo como algo a ser construído numa
relação de confiança mútua. Significa acreditar em seu aluno, valorizar o seu
querer, construir junto com ele sua autonomia, percebê-lo não na desigualdade
de alguém que sabe mais e outro que sabe menos, mas na valorização equânime das
diversas potencialidades. Este é o nosso papel se quisermos atuar na formação
de seres humanos autônomos, críticos e, principalmente, felizes.
sábado, 12 de abril de 2014
O tempo da experiência
É
verão e a luz do sol ilumina. A alta claridade produzida por seus raios
impõe-se aos olhos que, coagidos, semicerram-se. É a pele, entretanto, que mais
sente. Quente. Ardência. Suor. O corpo frita na panela de cimento, boiando no
óleo de gente. .
O
processo de fritura dura o tempo entre o desembarque em Campo Grande e o
livrar-se da multidão plantada às portas da estação de trem. Sob o atordoamento
do choque térmico produzido pela passagem do ambiente à 20º C para outro à 40º
C, atravesso a roleta de ferro e desço o pequeno lance de escadas concretadas.
Não há a menor possibilidade de impor meu ritmo aos passos. Tenho apenas um
espaço fluído, cuja ocupação é determinada pelo sentido da multidão que me
conduz.
Meu
corpo é a multidão. Meu corpo é o espaço construído e o apropriado. Ambulantes,
suas barracas e gritos, os homens das vans, seus veículos e gritos, a calçada
estreita e o povo à espera de condução, o concreto quente, os gases da
combustão e seus cheiros, risos, resmungos, e meu corpo que transpassa
penetrado.
Há
poucas sombras no retão às margens da linha férrea. Intermitentes, as árvores
apenas enfeitam a cidade concreto cinza. Descarnado da multidão, ouço meus
passos, minha respiração e um pouco dos meus pensamentos.
O
tempo passa no ritmo dos meus passos e respiração. As referências das horas,
minutos e segundos me são alheios. Meu tempo é a luz e o calor que do sol
emanam, o suor que escorre das têmporas e faz arder os olhos, minha sede, o estalo dos ossos corroídos pelo uso, o
gosto da minha saliva, os movimentos do meu intestino. Meu tempo são os volumes
e os tons díspares das vozes e dos ruídos inorgânicos, a temperatura dos corpos
e objetos que me passam, o universos de odores orgânicos e sintéticos, o vento
produzido pela velocidade dos carros. Meu tempo são os olhares que me encontram
furtivamente, os pedaços de corpos que meus olhos buscam, a visão de um homem
sujo e sem pernas que atravessa a rua, de um bebê que dorme em seu confortável
carrinho.
Meu
tempo é o contato do meu corpo com a explosão de sentidos e sensações que a
cidade fornece. Meu tempo é a abertura do meu corpo ao mundo, um interstício
sem passado ou futuro. Meu tempo é meu corpo num intervalo de eterno presente.
A eternidade do que apenas há.
Há
uma profundida infinita em tudo que existe. Horizontes. As profundezas não são
tormentosas, mas a perenidade de uma harmonia incompreensível. O caos é apenas
uma palavra inventada pela violência ordenadora do homem. Nosso corpo é o mundo
num elo natural. A vida é viável quando não tentamos ordená-la.
Olha-te,
mas olha-te com os olhos despidos dessa roupa que falsifica a vida. Em ti,
encontrarás todos os encontros. Em ti, saberás que nada falta, e nesta ausência
descobrirás o amor mais belo e sublime. Em ti, encontrarás um deus sem
identidade, sem nome, sem sexo e sem cor. Em ti serás feliz.
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