O
ponto de partida da pedagogia já não poderá ser o desejo de civilizar, mas o de
desenvolver pessoas livres, caracteres soberanos. É por isso que a vontade, até
ao presente tão violentamente oprimida, não deverá continuar a ser
enfraquecida. Tal como não se quer debilitar a vontade de saber, também não se
deverá enfraquecer o querer. Quem quiser um, tem de querer o outro. A
insubordinação e a teimosia da criança têm tanto direito como o seu desejo de
saber. (Max
Stirner, O falso princípio de nossa educação in Idem, Textos dispersos, Lisboa, Via Editora, 1979, p.65-93.)
“Autoridade do professor”,
“postura de professor, “controle de turma”, “manter a ordem”. Estes são os termos que caracterizam o “bom
professor”. Ele sempre está no “controle”. Não admite o riso, a brincadeira, o
jogo. Em sua imagem de austeridade, existe uma economia dos afetos que lhe
preserva a “autoridade”. A rigidez é necessária para manter a “disciplina” e a
“ordem”. O “bom professor” não pode se “igualar” ao aluno, dar-lhe “confiança”.
A partir do título sagrado de
“professor”, exigimos obediência, a que
nomeamos eufemisticamente de “respeito”.
O aluno é sempre objeto de
desconfiança. De vez em quando, damos um “voto de confiança” quase na
expectativa do erro e sua consequente condenação. Não aceitamos o erro, o
desvio, a frustração. Nos encastelamos na “autoridade” de nossa formação. Somos
os portadores do conhecimento, os agentes civilizadores. Da altura de nossos
valores morais, culturais e estéticos, julgamos todo o comportamento estranho
aos nossos gostos como inferior. O “funk”, o “passinho” e o “quadradinho de
oito” não passam de apologias ao crime e ao sexo. A menina gorda de shortinho é
ridícula, o menino negro que pinta o cabelo quer parecer um marginal.
A “autoridade” do professor é a
negação da diferença em nome da reprodução da “norma”. Na condenação dos
desvios, na preservação da “ordem”, somos civilizadores, não pedagógicos.
Perdão, talvez sejamos pedagógicos, mas de uma pedagogia da norma, da adaptação. Dizemos aos nossos alunos para abandonarem
suas referências em nome de um futuro que já conhecemos de antemão, pois a
realidade social é “impossível” de se transformar. Selecionamos os alunos destaques nos conselhos
de classe como o mercado de trabalho seleciona sua mão-de-obra, ou seja, de acordo
com a melhor adaptação ao modelo de comportamento exigido: disciplinado,
obediente, esforçado.
A “autoridade” do professor
- vista como natural, sagrada e
imprescindível - nega a escola como espaço pedagógico de transformação. Quando julgamos nossos alunos em sua
diferença, nos fechamos. Exigimos deles a abertura para o que queremos
apresentar, mas não nos abrimos para o que eles têm a nos apresentar. Ao
condicionarmos a confiança em nossos alunos ao acerto, negamos o momento
fundamental da produção da autonomia, da transformação, da constituição ética
do sujeito. Ninguém se questiona porque acertou. Nos pomos em questão quando
erramos. O erro pode ser o caminho
aberto para novas possibilidades, desde que não se associe o erro à culpa e a
correção à punição. O que percebemos como “aluno-problema” pode ser uma
oportunidade maravilhosa, porque é o aluno desviante que põe a escola em
questão, que nos faz repensar o exercício de nossa profissão e a própria
instituição escolar.
Pensar a escola como um espaço
pedagógico de transformação implica considerarmos todos seus integrantes como
sujeitos pedagógicos. Professores, funcionários e alunos. Sim, alunos! Com
eles, também aprendemos. Mas aprender significa abrir-se a experiência, ao
risco. Significa assumir que não sabemos, porque o não-saber é a condição
necessária para qualquer processo ensino/aprendizagem. Significa abrir mão da
“autoridade”. Ao estimularmos seus desejos, suas vontades, ao estarmos abertos a suas escolhas e visões
de mundo - ou seja, ao confiarmos em nossos alunos – adquirirmos sua confiança,
seu afeto e seu respeito.
Abrir mão da “autoridade” não
significa abrir mão do respeito, mas concebê-lo como algo a ser construído numa
relação de confiança mútua. Significa acreditar em seu aluno, valorizar o seu
querer, construir junto com ele sua autonomia, percebê-lo não na desigualdade
de alguém que sabe mais e outro que sabe menos, mas na valorização equânime das
diversas potencialidades. Este é o nosso papel se quisermos atuar na formação
de seres humanos autônomos, críticos e, principalmente, felizes.
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