segunda-feira, 14 de abril de 2014

Algumas palavras sobre a autoridade do professor e o espaço pedagógico



O ponto de partida da pedagogia já não poderá ser o desejo de civilizar, mas o de desenvolver pessoas livres, caracteres soberanos. É por isso que a vontade, até ao presente tão violentamente oprimida, não deverá continuar a ser enfraquecida. Tal como não se quer debilitar a vontade de saber, também não se deverá enfraquecer o querer. Quem quiser um, tem de querer o outro. A insubordinação e a teimosia da criança têm tanto direito como o seu desejo de saber. (Max Stirner, O falso princípio de nossa educação in Idem, Textos dispersos, Lisboa, Via Editora, 1979, p.65-93.) 

“Autoridade do professor”, “postura de professor, “controle de turma”, “manter a ordem”.  Estes são os termos que caracterizam o “bom professor”. Ele sempre está no “controle”. Não admite o riso, a brincadeira, o jogo. Em sua imagem de austeridade, existe uma economia dos afetos que lhe preserva a “autoridade”. A rigidez é necessária para manter a “disciplina” e a “ordem”. O “bom professor” não pode se “igualar” ao aluno, dar-lhe “confiança”.  A partir do título sagrado de “professor”,  exigimos obediência, a que nomeamos eufemisticamente de “respeito”.
O aluno é sempre objeto de desconfiança. De vez em quando, damos um “voto de confiança” quase na expectativa do erro e sua consequente condenação. Não aceitamos o erro, o desvio, a frustração. Nos encastelamos na “autoridade” de nossa formação. Somos os portadores do conhecimento, os agentes civilizadores. Da altura de nossos valores morais, culturais e estéticos, julgamos todo o comportamento estranho aos nossos gostos como inferior. O “funk”, o “passinho” e o “quadradinho de oito” não passam de apologias ao crime e ao sexo. A menina gorda de shortinho é ridícula, o menino negro que pinta o cabelo quer parecer um marginal.  
A “autoridade” do professor é a negação da diferença em nome da reprodução da “norma”. Na condenação dos desvios, na preservação da “ordem”, somos civilizadores, não pedagógicos. Perdão, talvez sejamos pedagógicos, mas de uma pedagogia da norma, da adaptação.  Dizemos aos nossos alunos para abandonarem suas referências em nome de um futuro que já conhecemos de antemão, pois a realidade social é “impossível” de se transformar.  Selecionamos os alunos destaques nos conselhos de classe como o mercado de trabalho seleciona sua mão-de-obra, ou seja, de acordo com a melhor adaptação ao modelo de comportamento exigido: disciplinado, obediente, esforçado. 
A “autoridade” do professor -  vista como natural, sagrada e imprescindível - nega a escola como espaço pedagógico de transformação.  Quando julgamos nossos alunos em sua diferença, nos fechamos. Exigimos deles a abertura para o que queremos apresentar, mas não nos abrimos para o que eles têm a nos apresentar. Ao condicionarmos a confiança em nossos alunos ao acerto, negamos o momento fundamental da produção da autonomia, da transformação, da constituição ética do sujeito. Ninguém se questiona porque acertou. Nos pomos em questão quando erramos.  O erro pode ser o caminho aberto para novas possibilidades, desde que não se associe o erro à culpa e a correção à punição. O que percebemos como “aluno-problema” pode ser uma oportunidade maravilhosa, porque é o aluno desviante que põe a escola em questão, que nos faz repensar o exercício de nossa profissão e a própria instituição escolar.
Pensar a escola como um espaço pedagógico de transformação implica considerarmos todos seus integrantes como sujeitos pedagógicos. Professores, funcionários e alunos. Sim, alunos! Com eles, também aprendemos. Mas aprender significa abrir-se a experiência, ao risco. Significa assumir que não sabemos, porque o não-saber é a condição necessária para qualquer processo ensino/aprendizagem. Significa abrir mão da “autoridade”. Ao estimularmos seus desejos, suas vontades,  ao estarmos abertos a suas escolhas e visões de mundo - ou seja, ao confiarmos em nossos alunos – adquirirmos sua confiança, seu afeto e seu respeito.
Abrir mão da “autoridade” não significa abrir mão do respeito, mas concebê-lo como algo a ser construído numa relação de confiança mútua. Significa acreditar em seu aluno, valorizar o seu querer, construir junto com ele sua autonomia, percebê-lo não na desigualdade de alguém que sabe mais e outro que sabe menos, mas na valorização equânime das diversas potencialidades. Este é o nosso papel se quisermos atuar na formação de seres humanos autônomos, críticos e, principalmente, felizes.

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