É
verão e a luz do sol ilumina. A alta claridade produzida por seus raios
impõe-se aos olhos que, coagidos, semicerram-se. É a pele, entretanto, que mais
sente. Quente. Ardência. Suor. O corpo frita na panela de cimento, boiando no
óleo de gente. .
O
processo de fritura dura o tempo entre o desembarque em Campo Grande e o
livrar-se da multidão plantada às portas da estação de trem. Sob o atordoamento
do choque térmico produzido pela passagem do ambiente à 20º C para outro à 40º
C, atravesso a roleta de ferro e desço o pequeno lance de escadas concretadas.
Não há a menor possibilidade de impor meu ritmo aos passos. Tenho apenas um
espaço fluído, cuja ocupação é determinada pelo sentido da multidão que me
conduz.
Meu
corpo é a multidão. Meu corpo é o espaço construído e o apropriado. Ambulantes,
suas barracas e gritos, os homens das vans, seus veículos e gritos, a calçada
estreita e o povo à espera de condução, o concreto quente, os gases da
combustão e seus cheiros, risos, resmungos, e meu corpo que transpassa
penetrado.
Há
poucas sombras no retão às margens da linha férrea. Intermitentes, as árvores
apenas enfeitam a cidade concreto cinza. Descarnado da multidão, ouço meus
passos, minha respiração e um pouco dos meus pensamentos.
O
tempo passa no ritmo dos meus passos e respiração. As referências das horas,
minutos e segundos me são alheios. Meu tempo é a luz e o calor que do sol
emanam, o suor que escorre das têmporas e faz arder os olhos, minha sede, o estalo dos ossos corroídos pelo uso, o
gosto da minha saliva, os movimentos do meu intestino. Meu tempo são os volumes
e os tons díspares das vozes e dos ruídos inorgânicos, a temperatura dos corpos
e objetos que me passam, o universos de odores orgânicos e sintéticos, o vento
produzido pela velocidade dos carros. Meu tempo são os olhares que me encontram
furtivamente, os pedaços de corpos que meus olhos buscam, a visão de um homem
sujo e sem pernas que atravessa a rua, de um bebê que dorme em seu confortável
carrinho.
Meu
tempo é o contato do meu corpo com a explosão de sentidos e sensações que a
cidade fornece. Meu tempo é a abertura do meu corpo ao mundo, um interstício
sem passado ou futuro. Meu tempo é meu corpo num intervalo de eterno presente.
A eternidade do que apenas há.
Há
uma profundida infinita em tudo que existe. Horizontes. As profundezas não são
tormentosas, mas a perenidade de uma harmonia incompreensível. O caos é apenas
uma palavra inventada pela violência ordenadora do homem. Nosso corpo é o mundo
num elo natural. A vida é viável quando não tentamos ordená-la.
Olha-te,
mas olha-te com os olhos despidos dessa roupa que falsifica a vida. Em ti,
encontrarás todos os encontros. Em ti, saberás que nada falta, e nesta ausência
descobrirás o amor mais belo e sublime. Em ti, encontrarás um deus sem
identidade, sem nome, sem sexo e sem cor. Em ti serás feliz.
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