domingo, 5 de fevereiro de 2017

Reflexões para um primeiro dia de aula

Palavras-Chave: identidade, experiência, produção de si, construção social



A identidade é uma estória de si sobre si. É histórica na medida em que esta narrativa é sempre produzida “na relação” com o mundo social em que vivemos, o que se refere não apenas aos contatos com nossos parentes, amigos, professores e colegas, mas também com às imagens e discursos que formam nossos valores estéticos (belo e feio), éticos (certo e errado) e morais (bom e mau). Toda “representação” da realidade, na forma de imagens ou de discursos,  são construídas ao longo do tempo. Por isso, históricas.

Embora a construção da nossa identidade seja elaborada por meio de imagens e discursos que precedem a nossa existência, não determinam necessariamente nossa visão de mundo e de nós mesmos. Primeiro porque somos sujeitos de sensibilidades e sentimentos que atuam criativamente no contato com essas representações. Sensibilidades e sentimentos também históricos, logo não determinados. Segundo, porque as representações do real são múltiplas, diversas, contraditórias, enfim, humanas. São frutos de experiências, ou seja, de um encontro criativo do ser humano com a realidade. Portanto, o processo de construção de nossa identidade é aberto e imprevisível, visto que é impossível determinar as possibilidades de intervenção das experiências de mundo sobre as existências individuais.

Fruto do contato com imagens e discursos socialmente compartilhados num mundo histórico e do processo único e indeterminado de cada indivíduo - que são as experiências em si - a construção identitária é indissoluvelmente individual e social. A forma como nos percebemos está sempre relacionada  ao mundo social em que nos encontramos. Somos alguém “em relação”, que nos identificamos dentro de uma linguagem   comunicada numa realidade compartilhada.

A qualidade histórica dessa matéria-prima pela qual distinguimos nossa humanidade e  construímos nossa existência social e individual – a linguagem – se constituí da heterogeneidade de experiências sociais acumuladas ao longo dos anos, décadas, séculos. Pelos signos, significados, imagens e discursos, as vidas humanas compartilhadas no espaço – que convencionamos chamar de sociedade – se fundamentaram, estruturaram e organizaram. O estabelecimento das convenções que conformaram a vida social humana ocorreram em torno da seleção, dentro da heterogeneidade, de determinadas categorias, historicamente consideradas úteis parao convívio. Como todas as escolhas, também excludentes de outras formas de representação e percepção do real. Portanto, a linguagem, enquanto forma exclusivamente humana de percepção, representação e organização do real, guarda em si as conflitualidades geradoras das hierarquias constituídas historicamente nos espaços. Hierarquias geracionais, de casta, de gênero, de raça, variáveis espacial e temporalmente.

A complexidade da realidade social expressada na linguagem não poderia estar ausente do processo de construção identitária. A identidade social, construída na relação do indivíduo com uma realidade social estruturada sobre uma miríade de hierarquizações e conflitos sociais, é um processo multifacetado transcorrido nos diversos espaços em que nos relacionamos. Identidade social, espacial, política e cultural; identidade de raça, de classe, de gênero, de geração, inscritas na nossa caracterização estética, na nossa forma de falar, nos nossos gostos, no conteúdo de nossos discursos. Todas expressadas, com maior ou menor peso, nas nossas auto-narrativas e nas narrativas que contamos sobre o mundo que vivemos.

Quando observamos que nossas narrativas ocorrem a partir de um universo linguístico e imagético imerso num mundo histórico perene de relações de poder, descobrimos novos significados de nossa existência. Percebemos lugares antes despercebidos, e ao assumí-los, ocupamos um lugar político. A potência destas descobertas produz novas identificações – seja em relação a negritude, a condição feminina, a sexualidade, ao lugar social – que se relacionam e nos vinculam a outras existências com quem compartilhamos experiências de mundo semelhantes.

A multiplicidade destes novos lugares assumidos nos instrumentaliza para uma leitura e atuação mais ampla, autônoma, empoderada e crítica na realidade. Principalmente, perceber os caracteres históricos, relacionais e compartilhados de nossa existência, e quanto nesses lugares comuns somos políticos, mesmo sem nos darmos conta. Na diferença em que nos identificamos como únicos e comuns, nos descobrimos imersos numa realidade em que existem oprimidos e opressores.
O conhecimento histórico possui uma potencialidade imensa no processo de constituição identitária. Ao conhecermos os processos sociais, econômicos, políticos e culturais que nos precedem e situam, produzimos identificações que localizam nossas narrativas em outras narrativas mais amplas. Nos descobrimos secularmente no tempo, lugar da mudança.

Dinâmica – identidade

1)     Formar uma roda junto com a turma.

2)     Distribuir uma folha de papel A4 para cada 4 estudantes. Pedir para dividam o papel em 4 partes e dividam entre si.

3)   Sem deixar que os amigos vejam e sem identificação, pedir para cada estudante escrever em seu pedaço de papel cinco características, expressões, qualidades em que acham que são identificados pelos com que convivem.

4)   Recolher os papéis, misturá-los e redistribuí-los aleatoriamente. Pedir para os estudantes olharem se não pegaram seu próprio papel.

5)    Cada estudante vai dizer para turma o que está escrito em seu papel. A turma vai tentar identificar quem se trata.

6)   Após o fim da atividade, perguntar aos estudantes sobre suas impressões acerca das identificações produzidas e debater coletivamente as conclusões a que podemos chegar.

7)      Debates com a turma sobre o significado da identidade, a historicidade de sua constituição e a importância do conhecimento histórico na auto-reflexão sobre si mesmo na relação com mundo.

8)   Pedir aos estudantes produzirem, por escrito, uma auto-narrativa, refletindo as questões discutidas anteriormente.  


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